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Artigo – Dois pais e uma mãe.É possível registrar? – Por Rafael D Ávila Barros Pereira

No dia 09/04/08, no capítulo da novela “Duas Caras”, da Rede Globo, foi apresentada uma situação, se não comum, inusitada e interessante.

Em sentido oposto ao que presenciamos nos dias atuais, em que muitos pais biológicos se furtam em registrar seus filhos, dois homens se declaram pais de uma criança e assim desejam registrá-la. Detalhe: têm os “pais” a concordância e o apoio da mãe.

Exame de DNA? Que nada. Os pais – aqui me refiro aos três – não querem realizar o referido exame. Por quê? Não querem saber quem é o pai biológico, o “verdadeiro pai” na linguagem popular, para evitar desavenças entre eles!

As aspas em verdadeiro pai são utilizadas porque, em nosso entendimento, o verdadeiro pai não é apenas aquele que contribuiu com o material genético para a formação da criança. Isto é ser genitor! Ser pai e mais que isso: é cuidar, educar, dar carinho e amor, brincar, levar à escola, e muito mais. Ser genitor é fácil, basta alguns minutos, ou até segundos. Ser pai não, é bem mais complicado; requer uma dedicação constante, durante toda a vida; requer um sentimento de pai e filho.

Para nós, o que se afigura de positivo nessa situação é a harmonia em que vivem os três: os dois “pais” e a mãe. Desculpe nosso rigor, mas é só. Enquanto observamos desavenças e brigas entre os casais, os três personagens vivem “num mar de rosas”. Pelo menos até agora; pelo menos é assim que a novela deixa transparecer.

Não iremos adentrar nos meandros das relações sociais, das relações humanas. Não pretendemos discutir o que é certo ou errado, o que pode e o que não pode, o que á “careta” e o que é moderno. Cabe-nos apenas analisar se existe a possibilidade jurídica de promover o registro de nascimento de uma criança de forma a fazer constar dois pais e uma mãe.

Não. Em nosso ordenamento jurídico tal registro não é possível.

Queremos deixar claro, desde logo, que não somos contrário à paternidade sócio-afetiva.

A jurisprudência pátria tem reconhecido esta paternidade, há tempos defendida por alguns civilistas. Não é demais repetir: ser pai não é apenas ser genitor. É muito mais que isso.

Importante destacarmos que prevalece nos Tribunais que os filhos têm direito de conhecer sua paternidade biológica, embora satisfeitos com a paternidade sócio-afetiva.

Dessa forma, no caso em comento, impossível seria a recusa em saber quem seria o pai biológico da criança, da forma em que vem sendo feita.

Em situações “normais”, a mãe representaria o filho em uma Ação de Investigação de Paternidade. Mas, e neste caso, em que ela não quer saber (ou divulgar) quem é o pai biológico?

A lei 8.560/92, no artigo 2º, § 4º, reza que se o suposto pai não atender no prazo de 30 (trinta) dias a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.

Seria possível aplicar este artigo no casu in tela? Claro que sim. Parece-nos até que este dispositivo fora criado para regulá-lo!

Poderia o Ministério Público ingressar coma a referida ação com o escopo de defender os interesses do menor. Esta se apresenta como uma de suas mais nobres atuações.

Algumas decisões judiciais vedam à investigação de paternidade pelo Ministério Público quando contrária à decisão da mãe. Mas, neste caso, tal entendimento não deve prevalecer, por tratar-se de direito indisponível do menor, alocado a uma situação especialíssima.

Urge ressaltar, mais uma vez, que não discutiremos a relação tríplice do casal. O que defendemos é que a criança tem o direito de saber, no futuro, que é seu pai biológico, em face de diversos fundamentos, posteriormente mencionados.

A Lei 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos – estabelece, em seu artigo 54, um rol de informações que devem constar em um assento de nascimento. E a alínea 7ª menciona que devem figurar a qualificação dos pais. Mas quantos pais: dois, três, dez? Não. A lei quer dizer pai e mãe.

O mesmo diploma, no artigo 52, elenca, em ordem sucessiva, quem deve promover a declaração de nascimento: na alínea 1ª, o pai; na alínea 2ª, em falta ou impedimento do pai, a mãe.

Ou seja, nosso principal diploma regulador dos registros públicos funda-se num dado relevante: toda criança tem uma pai e uma mãe. Pode até existir apenas um deles, ou melhor, ser conhecido apenas um deles. Mas figurar dois pais e uma mãe? Não temos amparo legal para isso. Em sendo possível, faço uma indagação: teríamos no registro um pai figurando como biológico e outro como sócio-afetivo? Não sei. Não vislumbro tal possibilidade.

Deverá constar no registro do nascimento da criança, sim, o nome do pai biológico, juntamente com o nome da mãe. Casados ou não, é assim que nossa legislação determina. Poderia até figurar apenas o nome da mãe, mas o nome desta e de dois pais, isso não.

Ademais, imperioso ressaltar que o Código Civil de 2002, em seu artigo 231, estabelece que aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Assim, aqueles dois homens que se declaram pais da criança e que recusam em fazer o exame de DNA não poderão, com isso, ser beneficiados. É o que aconteceria se ambos fossem registrados como pais de uma mesma criança. O raciocínio seria: como não sabemos quem é o pai, registramos os dois como assim sendo.

Nessa linha de entendimento é o Enunciado de Súmula n.º 301 do Superior Tribunal de Justiça: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum de paternidade”. Então, ante a recusa dos dois supostos pais em se submeterem ao referido exame, ambos seriam presumidamente pais biológicos da criança? Tratar-se-ia de uma situação inimaginável, para não dizer absurda. Pai biológico, apenas um é possível. Já paternidade sócio-afetiva, essa sim, pode comportar mais de um pai.

Destaca-se: nem mesmo através de adoção poderia ocorrer tal situação.

Sabemos que a adoção, conforme disposto no artigo 1.626 do Código Civil de 2002, atribui a situação de filho ao adotado e elimina qualquer relação com os pais anteriores, com a ressalva quanto aos impedimentos para o casamento. No caso exemplificativo em questão, não pairam dúvidas quanto à maternidade, ou seja, a mãe deve figurar no registro. E os “dois pais”? Se adotassem a criança, como um casal homossexual, a mãe perderia o vínculo com o filho, e não é isso que eles querem.

Não somos contra esse arranjo familiar: dois homens, uma mulher, um filho. Ou melhor, não analisaremos tal situação, tão comum no Oriente Médio. Podem viver dessa forma, desde que no registro de nascimento da criança conste o nome da mãe – que no caso não há dúvida – e o nome do pai biológico.

Sorte dessa criança, arrisco-me a dizer, de ter dois pais. Digo dois pais sócio-afetivos, sendo certo que um deles também é o pai biológico. O registro de apenas um dele – o pai biológico – não impede a convivência desse modelo familiar.

Todavia, necessário é o registro de nascimento da forma, digamos, tradicional. A determinação da paternidade biológica repousa sua importância no fato de que a todos é conferido o direito de saber sobre sua identidade genética. O fundamento não é só o interesse pessoal em conhecer seus familiares biológicos; funda-se no direito (em alguns casos necessidade) em conhecer a história de saúde de seus parentes consangüíneos para fins de prevenção de doenças físicas e psíquicas. E claro, também para evitar o incesto.

Como se não bastasse, sabemos que o entendimento e a harmonia nas relações humanas podem desaparecer num piscar de olhos. Sendo assim, prudente seria conferir a maior proteção possível à criança, evitando que futuras desavenças possam causar-lhe problemas. Promova-se o registro com o nome da mãe e do pai biológico, após definição mediante exame de DNA. Se se juntará aos pais e à criança outro homem, figurando como um segundo pai, sócio-afetivo, constituindo um novo arranjo familiar, é questão de outra ordem.

 

Rafael D`Ávila Barros Pereira

Advogado em Juiz de Fora, Pós-Graduando em Direito Constitucional

 

Fonte: Jus Navigandi

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