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Artigo – Registro Civil precisa de mais atenção – Estadão – Por José Renato Nalini

Não é motivo de surpresa a minha pessoal admiração pelo sistema adotado pelo constituinte de 1988 em relação aos antigos cartórios. Ele se utilizou da mais inteligente estratégia, ao converter as estruturas arcaicas e submetidas à sucessão hereditária ou à política protecionista e de nepotismo até então reinante, em dinâmicas delegações estatais.

Talvez muita gente não saiba que o Estado não coloca um centavo nas atividades exercidas pelos delegatários. Estes exercem função estatal, sem custo para o governo. Ao contrário, o Erário leva polpudo percentual dos emolumentos, o preço dos serviços, pago pelo usuário.

Dentre as várias modalidades extrajudiciais, o Registro Civil das Pessoas Naturais é a mais democrática. As pessoas nascem, geralmente se casam – algumas várias vezes… – e, infalivelmente, morrem. Tais atos constituem a atividade primordial do Registrador Civil.

Paradoxalmente, aquilo de que todos necessitam, é o setor menos prestigiado pelo sistema Justiça, notadamente pelo onipotente CNJ – o Conselho Nacional de Justiça.

Pródigo em editar normas, em legislar, em exigir planilhas, em impor ritualismos, o CNJ não cuidou, até o momento, de reparar a grave injustiça praticada contra o Registro Civil das Pessoas Naturais.

É que o Estado brasileiro delega uma função estatal para ser exercida pela iniciativa privada, ou seja, por conta e risco de um profissional recrutado após severo concurso público de provas e títulos realizado pelo Poder Judiciário e depois torna gratuita a obtenção dos serviços por parte dos destinatários.

É de vistosa e escancarada verdade a lição do pragmatismo ianque: não há almoço grátis. Como obrigar que a prestação estatal – que tem um custo para o delegatário – seja entregue ao usuário sem ressarcimento?

Se o Estado considera justificada a oferta gratuita, deve remunerar o serviço. Não há trabalho escravo na ordem constitucional desta República.

O CNJ aceita que os delegatários de outras serventias, notadamente o Registrador de Imóveis e os Tabelionatos, sustentem as unidades registrais civis deficitárias. Isso é possível. Agora, exigir do Estado delegante que remunere o serviço do delegatário, isso não foi cogitado pelo todo poderoso organismo que veio a ser acrescentado ao Poder Judiciário pela Emenda 45/2004.

Tão inovador o CNJ, deveria cuidar de prover a serventia que atende à totalidade do povo brasileiro, de atribuições que permitissem vida decente para seus titulares. O conjunto dos Registradores Civis das Pessoas Naturais no Brasil é repositório de informações preciosas para as políticas públicas tão necessárias à redução da iníqua situação nacional. Poderia se encarregar de outras missões, dentre as quais a do recenseamento, que custa milhões aos cofres e que os Registradores poderiam realizar com menor dispêndio.

Por experiência própria, constatei que o Estado é ausente na maior parte dos vilarejos, dos distritos, dos povoados nas diversas unidades federadas. Nesses lugares não há delegado de polícia, nem policial militar, muito menos juiz. Mas ali está o registrador civil, única presença estatal, a servir como conselheiro, como orientador, como pacificador. Por incrível que pareça, a atribuição de conciliar, instituída pela Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo em 2013, foi obstada por decisão monocrática da representante da OAB junto ao CNJ.

O Registro Civil das Pessoas Naturais insere-se no sistema Justiça, exerce função de extremo relevo e, mais uma coisa insólita nesta República, padece por carência de justiça concreta.


*José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020

 

Fonte: Estadão

 

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